- Sabe qual é a diferença entre o
corvo e a escrivaninha? – Perguntei sem que ela soubesse da resposta.
- Não – Ela coçou a cabeça,
enquanto a colocava de lado, pressionando um leve dedo em seu queixo.
- O primeiro anuncia a morte, o
outro decreta a morte. – Disse de uma vez, sem enrolar. Parecia simples, depois
de tanto me perguntar sobre a mesma coisa.
- Eita. – Ela apenas respondeu.
- É um dos primeiros enigmas do
Chapeleiro Maluco de Alice no país das maravilhas.
- Mórbido. – Fez um leve
movimento com a boca, como se estivesse pensando.
Continuei. - E disse a lagarta a
Alice "quem és tu?" – E apenas deixei a questão soar no ar, enquanto
ela me olhava sem entender.
Começo a sorrir, quase sem
motivo. As ironias que tanto nos pregam peças. – Engraçado! Lembrei da história.
Lembrei de mim... – Desfilava as palavras, enquanto amargava um sorriso
incontido.
- E Alice disse para você “Quem
és tu, olhos profundos e enigmáticos? ”. – Poderia julgar que ela falava de mim,
mas, mudei o foco bruscamente.
- Sabe por que as pessoas se
incomodam com você? – Lancei, ao tempo em que assistia a cara dela incompreendida.
Fiz questão de explicar que, “você” nesse caso é o outro, que não é você, mas
não seria eu. Seria o outro que vive pegando no seu pé. E repeti a questão. - Sabe
por quê?
Ela voltou a me olhar e perguntou
curiosa – Por que?
Voltei meus olhos a um ponto
qualquer, posso jurar neste momento não estar em mim. Seria o mínimo, talvez, e
recomecei a falar. - Porque temos algo especial que eles não têm. Nós temos os
sonhos que eles esquecem de realizar. Nós temos o mundo que eles esquecem de
viver. Nós temos momentos que eles nunca poderão ter.
Parei para respirar, lembrei de
como isto parecia fácil e ao mesmo tempo demasiadamente complicado, mas
continuei.
- Sabe por que você incomoda?
Porque você lembra como tudo pode ser especial e imprevisível. E não fazer nada
assusta. Não reagir causa temor. Não gritar é inaceitável. Viver em paz é
opressivo...
Ela acrescentou algumas palavras aquele devaneio, dizendo que...
- Nesse mundo previsível, qualquer desvio é visto
como anormal... – Não a deixei continuar. Talvez não a tenha escutado.
- .... Tentar ser contra o mundo
é um absurdo e você é fugaz demais para ser simples, para querer viver o mesmo,
para julgar que nada é como antes... – Ela deu vazão aos meus devaneios, me interrompendo
outra vez.
- Primeiro você tem que estar em
paz consigo. – Não é uma competição, mas, de todo modo, me intrometi outra vez.
- ... Você causa temor simplesmente
porque você lembra aos outros tudo que eles foram e escondem em um cantinho. Porque
você simplesmente não esqueceu de acreditar.
- Pessoas amargas tendem a tirar
sua luz. – Faz sentindo. Todo o sentido do mundo, refleti.
- Sabe por que você assusta? –
Talvez eu fingir não mais estar aqui.
Allyne e Marcela
20/12/2016
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