segunda-feira, setembro 30, 2013

Entre o Amor e a Amizade


Talvez toda aquela impaciência fosse somente pela falta – que ela nunca iria admitir – que ele lhe fazia. Afinal, há quanto tempo eles não se falavam? Era algo que nunca ficaria às claras, não quando isto é confirmado pela boca de uma conquistadora de maus modos.

Se ao menos as coisas estivessem mais diretas, ou se ele pudesse dizer alguma coisa que fugisse ao normal, qualquer tipo de merda mal educada para romper com as barreiras do agora... Mas cá estavam dois idiotas, medrosos e incapazes de assumir a reação de perder a cabeça.

Pois, na guerra com o coração são sempre os pensamentos a pagarem pelas ideias mais absurdas e os olhos a sangrarem pelas coisas que não são o que parecem ser. Mas quem – me diga quem – nunca passou por isso, que atire a primeira pedra.

Eles sempre tiveram uma atração nata, algo de impressionar a qualquer um. Não só uma atração física, mas se tratava de mais. Era como se eles tivessem uma ligação de outras vidas. No entanto, mesmo com tudo isso, essa ligação, essa vontade, a coisa não saia de uma amizade, de uma bela amizade, ainda que o coração de ambos gritasse por mais, implorasse por mais. Quem iria ser o primeiro a baixar a guarda? Quem daria o braço a torcer e diria “Perdi, paixão! Rendo-me a você.”?

Aquela singela paixão de arrancar o siso, ao qual Almeida Freitas se referia, aquela mesma que fizesse a moça romper com todos os seus nãos e conceitos mais profundos. É, de fato ele era a pessoa que mais havia a conhecido a fundo, e não correu como faziam todos os demais. Mas isso era exatamente a coisa que ela mais odiava nele, e uma das coisas das quais ela não queria fugir. Ela provavelmente se perguntava se com ela as relações mais banais sempre seriam tão fora de rumo, tão rentes ao abismo das sensações dúbias.

Ele a adorava como jamais poderia explicar, porém a merda toda aconteceu há três noites. A vodca e o limão juntos o fizeram esquecer-se dos limites - aquelas linhas finas e delicadas que protegem a amizade - e num piscar de olhos tudo se desfez.

O álcool ajudou aos dois, entretanto seu efeito era passageiro e agora, voltamos a dizer que merda é merda e nada - nem ninguém - poderia mudar isso.

Ela acordou um tanto desnorteada, a visão meio embaçada, a cabeça tonta. Onde diabos ela estava? Viu-se deitada numa cama, que, depois de um pouco pensar descobriu ser familiar, mas a tontura e a dor em sua cabeça não a deixavam lembrar-se de quem era a tal cama, contudo não foi preciso muito pensar. A imagem falou por tudo. Ele estava deitado do lado esquerdo da cama, com uma perna pendendo para fora dela, completamente nu. Ela ficou chocada e, rapidamente, checou a si mesma: também estava inteiramente despedida. Ela não se lembrava de nada, não naquele momento, em que tudo que sua cabeça fazia era girar e latejar. O que teria acontecido? Por que estavam pelados? Será que tinham... passado a noite juntos?

Entretanto – e a bebida é uma arma traiçoeira – flashes da noite anterior saltaram a sua mente, àquela hora meio adormecida, meia em alerta. Eram imagens embasadas de corpos que se perdiam um no outro pelo arrastar de corredores que levavam até aquele quarto, até aquele maldito cômodo que colocou toda a amizade de anos em jogo. Mas as formas com que aqueles olhares seguiram trocados a meia luz, e o gosto daqueles beijos roubados lhe despertavam os mais cegos de todos os instintos a fizeram fraquejar.

Ela socou o travesseiro pela enésima vez, enfim as lágrimas apareceram. As lembranças a confundiam mais e mais e no momento tudo o que ela queria era desligar. Porém, não conseguia. Tudo o que sua mente fazia era andar em loop. Por fim, se viu enlaçada pelos braços do seu amigo e amado, do seu agora namorado. Seu amado, ela suspirava só de pensar em pronunciar isso o quanto antes: “meu namorado, meu amado, meu amor...”. Eles conversaram, confessaram amores, paixões e, enfim, se deram por vencidos. 

O amor, a paixão e toda a loucura que vinha junto com esses dois primeiros sentimentos haviam ganhado a guerra. Embriagados pelo álcool e pela paixão por tanto tempo reprimida, eles se entregaram novamente aos braços do desejo cálido, mas calmo, dessa vez sóbrios e lúcidos. Fizeram amor em forma de poesia, que declamavam aos sussurros no ouvido um do outro, e fizeram versos de amor em forma de amor prático, carnal.

Ela, pensando consigo mesma, disse que nem em um milhão de anos outro homem conseguiria fazê-la sentir como ele a fez sentir quando se amavam. Eles eram paixão fervorosa, mas eram doçura e poesia. O amor deles derrubava as barreiras do físico e invadiam as fronteiras do espiritual, do surreal, do imaginável apenas aos apaixonados. Ele pensou que ela era a garota mais misteriosamente irresistível, encantadora e apaixonante do mundo inteiro. Ele a queria em seus braços por muito, muito tempo. Para sempre, por que não?

"Só uma olhar por compaixão te peço. Um olhar, mas bem lânguido, bem terno. Quero um olhar que me arrebente o siso, me queime o sangue, m'escureça os olhos, me torne delirante!".
Almeida Freitas, in Lira dos Vinte anos.

P.s: Texto escrito em parceira com minhas queridíssimas, mais que legais, Erica Ferro e Rebeca Postigo, ambas Gurias Arretadas.  ;)




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